22 janeiro 2007

Bruxelas




Às vezes sabe bem recordar. Ciclicamente lembro-me dos tempos em que vivi em Bruxelas, capital da Bélgica, da Europa e da OTAN. Foram três anos que ainda hoje me marcam e que fazem parte daquilo que eu sou. Aos 16 anos, idade em que se fazem os amigos para a vida, tive de partir de Portugal para acompanhar o meu pai na sua missão diplomática na sede da OTAN (ou NATO com as siglas em inglês). Fui a viagem de 2 horas e meia de avião com um nó na garganta e a minha mãe ao meu lado. Era dia 1 de Agosto de 1991. Chegado lá, em vez de deslumbramento por um mundo novo, só sentia raiva e ódio por aquela terra. Achei aquilo que quase todas as pessoas acham de Bruxelas quando apenas lá passam: horrível. Com o passar do tempo aprendi a gostar e a perceber que a capital da Europa tem de ser vivida. Bruxelas não é definitivamente uma cidade de turismo.

Aquilo que mais ajudou a integrar-me foi a Escola Europeia, onde fiz novos amigos, alguns deles até hoje. É uma escola especial aquela. Ali só entravam filhos de funcionários da União Europeia e diplomatas da OTAN, membros da Europa (naquela época eram apenas 12 países). O que me proporcionou conhecer e fazer amizades com colegas de vários Estados. Por incrível que pareça os portugueses que lá andavam identificavam-se sempre mais com os italianos e holandeses. E foi com esses dois povos que fiz mais contactos. E eu fui mesmo um dos portugueses que lidou mais com colegas de países estrangeiros. Sempre gostei de tentar compreender como funcionam as outras culturas. Rapidamente percebi que somos todos muito parecidos, apesar das ideias feitas que temos uns dos outros.

Recordo com saudade uma festa quase nos arredores de Bruxelas, numa casa de holandeses e onde estavam também imensos italianos. Foi nessa festa que comecei a namorar com uma miúda da Toscana, a Caterina, minha colega da escola. A casa parecia uma casa assombrada dos filmes de terror, com torre e tudo, e estava rodeada por um enorme parque. Nessa festa eu era o único lusitano.

Recordo com saudade um nevão gigantesco, que fez parar a cidade. Vinha eu da escola dentro do tram (eléctrico) quando o guarda-freios disse às pessoas para sair porque não dava para avançar mais. Andei mais de dois quilómetros com a neve a cair constantemente. Quando cheguei a casa estava todo branco, mas felicíssimo por ter visto e sentido aquele espectáculo natural.

Recordo com saudade um passeio que fiz sozinho pelo Bois de la Cambre (um dos bosques de Bruxelas), perto de minha casa. Nesse dia encontrei um esquilo-bebé que se deixou apanhar porque estava manco. Levei-o para casa e levei-o para a escola dentro da minha mochila. Passado uns dias, ofereci-o a um amigo holandês, o tal da festa que tinha uma casa gigante com um bosque à volta.

Recordo com saudade uma visita de estudo à Escócia, organizada pelo professor de inglês. Durante 10 dias eu e mais colegas/amigos de várias nacionalidades andámos a fazer montanhismo pelas Highlands. Conheci Edimburgo e o Lago Ness até chegarmos ao destino. Estivemos em bungalows isolados de tudo e de todos, com o mar em frente e os montes atrás de nós. Inesquecível!

Recordo com saudade da semana em que a escola organizou nas férias de Inverno. Fomos esquiar para a Áustria, em Mayrofen, perto de Innsbruck. Fiquei felicíssimo porque em poucos dias consegui esquiar (mal, claro) nas pistas encarnadas. E lembro-me de termos passado pelo Liechenstein. Mal entrámos nesse Estado, já estávamos a sair dele...

Lembro-me que em 1991, Bruxelas recebeu a Europália e que o país convidado desse ano era Portugal. Os belgas andavam loucos... Não faziam a mínima ideia que o nosso país era tão rico. A exposição "Triunfo do Barroco" fez todos os portugueses bastante orgulhosos da Pátria.

Lembro-me que uma das coisas mais fascinantes para mim foi a existência de televisão por cabo, algo que os belgas tinham desde os anos 50 (em Portugal só chegou em 1995). Gravava horas e horas de cassetes VHS com telediscos da MTV. Em 1992 chegou a RTP internacional. Não se pode imaginar a revolução que isso representou, numa época em que a internet era coisa apenas para especialistas. E recordo que os canais de televisão de França (TF1, France 2 e France 3) eram os melhores da Europa. Uma referência até hoje. A meu ver melhores que a tão conceituada BBC.

Recordo como as estações do ano eram vincadas. O Outono com as folhas das árvores amareladas, o Inverno com as árvores nuas, a Primavera com as flores a colorir a cidade e o Verão (chuvoso), mas já com calor. Em Portugal passa-se rapidamente do Verão para o Inverno e do Inverno para o Verão.

Recordo com saudade as gaufres vendidas na rua, as frites com mayonnaise, as famosas moules e os fabulosos chocolates belgas. E nas saídas à noite devo ter provado todas as 1001 variedades de cerveja daquele país. E as noitadas começavam sempre na Casa Manuel, um café luso-espanhol na Grand Place. Mas o mais belo dos cafés era, e deve continuar a ser, o Roi d'Espagne. A Grand Place era sempre o ponto de encontro, nem era necessário marcar nada com ninguém, já que lá estariam amigos ou conhecidos com toda a certeza.

Recordo com saudade as idas ao cinema em Heysel, onde fica também o Atomium e a Mini-Europa. E os passeios pela zona do Sablon, Avenue Louise e Toison D'or. Ali perto o imponente Palácio da Justiça. A zona do Cinquentenário e os seus parques, o palácio real... E não muito longe a sede da Comissão Europeia.

Bruxelas proporcionou-me um contacto mais directo com o coração da Europa. Fez-me sentir mais europeu, sem deixar de ser português. É pena que não se conheça melhor aquela cidade, mas não como turista. Afinal Bruxelas é e será, cada vez mais, a nossa capital.

6 comentários:

Suburbana disse...

A nostalgia, num gajo, é sempre bonita. É bonito ! Todos esses sentimentos poéticos, mas serão questões essenciais?
Explicar que Bruxelas é a capital da Bélgica. Essa não é a questão essencial!
Dizer que namorou com uma Caterina mas não explicar se ela era semelhante ao furacão. Também não é a questão essencial.
Escrever OTAN em português em vez de NATO à inglesa. Ainda não é a questão essencial!
A história do esquilo bebé...é bonita! Contudo não é questão essencial.
Ir à Escócia e não ver o monstro do Lago Ness, também não me parece a questão essencial.
Finalmente encontrei a questão essencial: eis que os belgas descobriram, em 1991, que Portugal era um país rico. Isto sim é a questão essencial... até eu que vivo nesta república das bananas não dou conta dessa riqueza.
Enfim...salva-se o texto pela proximidade com o coração. Sempre admirei muito os cardiologistas.
Aahahahahahhaha!
Beijos Queriduxxxxxxxxxxxxo!

TG disse...

Parece-me que não precebeste mesmo a questão essencial...

Anónimo disse...

Guerra é guerra!

Anónimo disse...

Guerra é guerra!
(agora com identificação!!!)

TG disse...

Errata: ler percebeste, em vez de precebeste.

Anónimo disse...

Tens boa memória rapaz! Possivelmente melhor que a minha, mas certamente com um filtro mais activo.
Posso acrescentar alguns episódios?
- O test drive do carro do teu pai acabdo de sair do Stand? Tudo sem carta, sem teu conhecimento, a papar sinais na tua rua.
- Algumas aulas memoráveis

Um dia destes vamos a Bruxelas. Arranjo lá 1 4º para ti.

Abraço

Pedro Pires.